Colares, Sintra em 31 de outubro de 2022
Querido Pe. Gailhac,
Escrevo-vos depois de muito meditar no coração o desafio que a vossa filha, a irmã Marie-France me fez: “Si vous voulez écrire au Père Gailhac, n’hésitez pas à prendre la plume…”
Quando recebi este convite, tinha chegado de Béziers há poucos dias e ainda me era difícil “arrumar” tudo o que ali tinha presenciado, vivido e sentido. Por isso, hesitei muito antes de pegar na “pena”…
Faço-o num dia de chuva… uma chuva de que o meu país tanto precisa! E leio nessa água, generosa e gratuita que nos abunda, uma metáfora da nossa sede e da fonte que de Béziers se estendeu, alagando margens que ganharam vida!
Sei que sabe quem é este que vos escreve! Mas os outros que me leem precisarão de me conhecer um pouco para me compreender nas palavras que vos digo.
“Conheço-o” há 23 anos! Tantos quantos aqueles em que sou vosso colaborador no Colégio Sagrado Coração de Maria em Lisboa – Portugal. Comecei por vos conhecer a história pessoal, os amigos Eugène e Apollonie, o sonho, a fé e a obra!
Mais tarde, pisei pela primeira vez a vossa|nossa Casa Mãe. Fi-lo com jovens do nosso Instituto… o futuro, a esperança! Ali entrar, subir aquelas escadas, habitar aquelas paredes, descer à cripta e rezar junto a vós foi um tempo de grande identificação. Senti que pertencia àquele lugar e, consequentemente, àquele sonho, visão e obra. Aquela era também a minha história…
O encontro com a história dá-nos a oportunidade de nos conhecermos, identificarmos, compreendermos e de nos lançarmos no futuro! É esse o valor das paredes e dos objetos. Há neles um espírito que nos atravessa e projeta.
Voltei a Béziers outras vezes e, cada vez que voltava, sabia-me a regressar a casa, a “encontrar os meus”, a ganhar força e energia para os dias, a beber da fonte…
Voltei a última vez a Béziers em julho deste ano de 2022, aquando do encerramento da vossa|nossa Casa Mãe, e deixai que vos diga o quanto o vazio daquela casa fala! Há vozes que não se podem calar…
Voltei para documentar e transmitir a vossa transladação para o cemitério de Béziers. Mas assumo-me com outra missão: a de testemunhar!
Habituado que estou a ler-vos nas cartas às vossas “filhas”, pergunto-me o que tem a dizer-vos este vosso filho e, ao fazê-lo, dou-me conta da maravilha que é este sentido de pertença, de inclusão, de totalidade que sempre esteve presente na vossa vida e obra.
O que vos diz este filho que vos escreve?
Diz-vos em voz alta o que vos rezou o coração, no momento em que pousei a minha mão sobre o vosso caixão na cripta da Casa Mãe, a 6 de julho de 2022, quando vos trouxemos à luz do dia e dos nossos olhos.
OBRIGADO!
Para vos dizer em “voz alta” a minha gratidão, socorro-me das vossas próprias palavras, nas muitas cartas que escrevestes às vossas filhas.
“Desde a minha infância, Deus tem colocado dentro de mim um grande amor pelos outros “
Obrigado pelo desejo que nasceu naquele menino e cresceu naquele jovem!
“Como é bom dizer a Deus com um coração generoso: ‘Meu Deus, eis-me aqui para fazer a vossa vontade. O meu coração está pronto para tudo’.”
Obrigado por esse Coração maior, generoso, disponível.
“Dediquemo-nos às pessoas que nos são confiadas.”
Obrigado por ter vivido a sua vocação sem se afastar do mundo, mas antes amando-o.
“Que a nossa vida seja uma oração contínua.”
“O zelo é a chama do amor.”
Obrigado pela fé enraizada na vida.
“Nunca admitamos ideias preconcebidas. Em qualquer pessoa há defeitos e qualidades. É necessário agir com serenidade.”
Obrigado pela capacidade de ver o valor de cada pessoa.
“O grão que se semeia, a árvore que se planta, não dão fruto imediatamente.”
Obrigado pela paciência e esperança tão próprias de um educador.
“Mantenhamo-nos calmos. Deus fará a sua obra, contanto que não O estorvemos muito.”
Obrigado pela Obra.
“Jesus Cristo não quer discípulos forçados, mas livres.”
Obrigado pelas vistas largas e horizontes grandes.
“Os alicerces devem ser sólidos.”
Obrigado pela consistência e resiliência.
“Esqueçam o pouco que fizeram. Lancem-se para o que falta fazer.”
Obrigado pela determinação.
Obrigado, Pe. Gailhac!
Nestes tempos que são os nossos, e somos nós chamados a manter vivo o sonho e a obra, agradeço-vos na primeira pessoa!
Sou testemunha do que a vossa vida gerou e de como chegou até mim, através de tantas irmãs, algumas já junto de si!
Sou testemunha do cuidado, carinho e entrega que gerações de crianças e jovens têm vivido a partir da vossa obra.
Sou testemunha da entrega de tantos leigos que vivem a sua vocação no nosso Instituto, como outrora fizeram os vossos amigos Eugéne e Appollonie.
No vosso|nosso Instituto tenho podido ser! E acreditai que há nisso muito valor, não só por mim ou para mim, mas pelo sinal que isso é para um igreja onde todos têm lugar.
O vosso filho,
Luís Pedro de Sousa
PS. Diga da minha saudade à Irmã Maria Dina Gonçalves de Freitas!